Sunday, October 15, 2006

The Gift :: Vinyl... Entrevista

Viver no Campo

A primeira amostra do trabalho dos The Gift não foi propriamente bem recebida. Vivendo em Alcobaça, os irmãos Nuno e John Gonçalves - mais o amigo Miguel Ribeiro e a Cantora Sónia Tavares - lembraram-se de gravar eles próprios um «single» de apresentação para enviar às rádios e às editoras. No interior do disco seguia uma faixa interactiva com a apresentação da banda, os currículos, os contactos - todas as coisas que na altura julgaram necessário incluir, e que passaram despercebidas. Como aliás o disco. Criaram outros objectivos: uma pequena digressão pelo país, para verem até que ponto a sua música despertava, ou não, um público; um vídeo de longa duração, para registar as imagens desses espectáculos, que distribuíram em finais do Verão passado, pela época em que entravam nos estúdios Tch-tcha-tcha para finalizarem o primeiro álbum, em regime de autofinanciamento.
O disco, e o feérico drama musical que contém, foram apresentados ao vivo em Novembro, no Teatro São Luís, em Lisboa - e foram os próprios músicos que andaram a distribuirfolhetos de promoção à porta do concerto dos Massive Attack.A primeira edição do disco esgotou-se em poucas semanas. Amanhã passam pelo auditório da FNAC/Lisboa, anunciando uma digressão mais ambiciosa para este ano e o contrato com a multinacional BMG para a distribuição da próxima edição de Vinyl.


NUNO GONÇALVES - A edição independente não foi uma decisão forçada - mas uma opção, uma reacção à resposta negativa ao nosso primeiro CD. Era importante fazer o disco. Investimos um pouco mais, porque o disco precisava de mais instrumentistas para ganhar um lado orgânico. O facto detrabalharmos em casa - além da independência de que se fala - permite-nos estar um ano a experimentar coisas. Só fomos ao estúdio fazer as misturas finais e gravar as cordas e as vozes, que precisam de bons microfones e boas condições.

EXPRESSO - O facto de viverem em Alcobaça agravou osproblemas ou as condições de trabalho?
JOHN GONÇALVES - Pode parecer estranho, mas estar em Alcobaça só nos beneficia. Estamos mais aliviados, temos mais tempo. Pronto, é o campo - ou a província, como lhe queiras chamar. Pensar que por viver em Alcobaça as pessoas não têm acesso aos livros, às exposições, à música, aos filmes, é umaideia completamente errada.

EXP. - Isso reflecte-se bastante no vosso disco, e na diversidade de influências que ele apresenta.
MIGUEL RIBEIRO - Gosto muito dos anos 80. Quero dizer, marcou-me bastante, uma PJ Harvey, um Nick Cave, um Tom Waits, o John Cale. Mas os discos que mais ouço hoje em dia se calhar são outras coisas.
NUNO - Começámos a tocar num concurso de Música Moderna do Bar Ben, em Alcobaça, que durante cinco anos todas as semanas levou lá três bandas. Tivemos acesso a tudo o que se fazia em Portugal e a todos os tipos de música - depois, sempre estivemos atentos aos programas de rádio. Na altura, o que me influenciou mais foi o «Margem de Certa Maneira», doRui Vargas, na Rádio Comercial. Realmente influenciou bastante a minha maneira de olhar para a música.

EXP. - As vossas composições utilizam instrumentaçãobastante diversa. Que relação mantêm com atecnologia?
JOHN -
Ir ver concertos acaba por ser sempre uma viagem de estudo: de onde é que vem o som, o que é que eles fazem, que material usam. Temos uma boa relação com o dono de uma loja de instrumentos, sabemos mais ou menos que tipo de instrumentos nos serve. E depois é muito trabalho de casa: estudar como é que as máquinas trabalham, e que tipo deuniverso é que se quer criar. Em matéria de tecnologia hoje em dia não estamos atrás de ninguém. Só por uma questão de disponibilidade financeira.


EXP. - Apesar de tudo, conseguiram vender sozinhos aprimeira edição do disco…
NUNO -
Dois mil e quinhentos discos. O Vinyl só surgiu porque no ano passado tivemos a coragem de fazer uma «tournée» por todo o país - para sabermos se realmente existia ou não um público para o grupo, antes de fazermos o disco e descobrir depois que não havia ninguém para o comprar. Só não esperávamos que acontecesse tão rapidamente. Vendemos o disco em menos de cinco semanas. O mais espantoso é que tínhamos uma estratégia planeada - que incluía a digressão, um clip, uma série de coisas que sãonormais nestas circunstâncias - e o disco vendeu-sesem nada disso. A digressão ainda nem sequer começou…


EXP. - Esta ligação à BMG surgiu acidentalmente, oué algo que já tinham tentado?
JOHN - Quando um disco tem boas críticas e se porta bem em matéria de vendas, as editoras começam a despertar. E se isso ajuda a nossa missão de levar a música ao maior número possível de pessoas, tudo bem, nós vamos.
NUNO - A digressão está preparada para ir até Junho, em Portugal, eventualmente com outros espectáculos que possam surgir em Julho ou Agosto - festivais, coisas pontuais. No ano passado, depois dos concertos, chegámos a ter alguns contactos com promotores estrangeiros, mas um dos problemas que se levantou foi o de não termos distribuição comercial lá fora.


EXP. - Vão gravar outro disco?
NUNO - Este ano talvez não. O Vinyl ainda tem muito para dar, ainda temos muitos concertos para fazer.


EXP - Tencionam continuar a trabalhar em casa?
NUNO - Sim, o processo de gravação será idêntico. Não estamos descontentes com o trabalho que fizemos em casa. No estúdio percebemos de imediato as dimensões do projecto - onde é que nós queríamos chegar e o que é que tínhamos - e então ajudaram-nos bastante. Vamos provavelmente ter de trabalhar com um produtor - com mais tempo, com mais calma, sem pressas. As nossa últimas três semanas de estúdioforam uma coisa que não quero repetir.


EXP. - Que pensam sobre a distribuição de música pela Internet?
JOHN - Eu ficaria muito contente se soubesse que no Japão alguém ouvia a nossa música, mesmo se não comprou o disco. Nesse caso não recebemos direitos de autor - paciência. No nosso nível, para podermos mostrar aquilo que fazemos, o MP3, o MP4 ou outras coisas desse tipo são sempre bem-vindas. Queremos aparecer na Internet, da mesma forma que aparecemos na rádio, na imprensa ou na televisão.


Jorge P. Pires
in Expresso - 27 de Fevereiro de 1999