Monday, October 09, 2006

The Gift :: AM-FM... Entrevista

No puff com... Sónia Tavares

“Em Alcobaça, como em todas as terras pequenas, ou tens uma banda, ou dedicas-te ao desporto, ou vicias-te em drogas. Como a música fez sempre parte das nossas vidas, dedicámo-nos a ela”. É teimosa, mas tem um humor do tamanho do Mundo, adora gatos, o homem que mais admira é o pai e a mulher a mãe. Em pequena queria ser bailarina, depois designer, mas entrou em Antropologia, em Lisboa. Quis o destino que os palcos se tornassem a sua casa. Sónia Tavares descobriu o seu ‘dom’ e é a peculiar voz de uma das maiores bandas nacionais, The Gift, que começou num sótão em Alcobaça, terra natal do grupo, e que agora quer conquistar os palcos internacionais.

Quem é a senhora que está por trás do microfone dos The Gift?
A senhora, a ‘lady’... atrás do microfone, a acho que é uma pessoa abençoada. É o que sou. Uma pessoa feliz, pelo menos neste momento.

Um grande amor ou os The Gift?
É uma pergunta estranha, porque à partida essas coisas vão sempre conciliar-se, julgo eu. Mas, não sei. Tipo foge comigo para o Brasil e nunca mais voltas? Não, não ia.

Ser cantora era desejo de infância?
Nunca pensei nisso. Queria ser bailarina ou professora ou uma coisa qualquer, agora cantora nunca. Eu vivia a música, porque sempre fez parte da minha vida, mas nunca pensei em fazer parte de uma banda.

Que outra área a interessava mais?
Eu já gostei de tanta coisa ao longo dos anos. Como todas as miúdas, quis ser bailarina, depois queria ter seguido Design de Moda, mas preferi seguir Humanísticas. Mais tarde não achei grande piada e pensei candidatar-me a Filosofia, mas desisti. E houve uma altura em que não quis ser nada e os The Gift ainda não eram ‘ninguém’, até que decido tirar Antropologia e quando entro para a faculdade percebo que quero realmente ser cantora.

Falemos agora da banda. Quando entrou para os The Gift, o Nuno Gonçalves não queria uma voz feminina...
Isso era o que ele dizia. Ele estava particularmente interessado em fazer uma banda diferente, portanto tudo o que fosse em prol disso o Nuno estava aberto, tal como o resto da banda. Tudo aconteceu em poucos dias, embora a minha entrada fosse para tocar flauta transversal. O Nuno queria aliar instrumentos clássicos à electrónica. Na altura decidiu-se que o vocalista seria o Ricardo Braga [já não faz parte da banda], ele não cantava nada, mas foi uma mais-valia como teclista e bombardine.

Então, a sua inserção foi rápida?
Sim, porque éramos amigos, eu estava naquele sótão, onde nasceram os The Gift, porque era amiga deles e ia assistir aos ensaios das bandas que eles tinham. Começar a cantar é que foi mais complicado. Nunca o fizera antes, mas em poucos dias a coisa fluiu.

Conhecido o sexto sentido feminino, após os primeiros ensaios pensou que a banda ia chegar onde chegou?
Nem eu, nem eles. Não fazíamos planos para isso, porque tínhamos as nossas prioridades e aquilo era um ‘hobbie’. Em Alcobaça, como em todas as terras pequenas, ou tens uma banda, ou dedicas-te ao desporto, ou vicias-te em drogas. Como a música fez sempre parte das nossas vidas, dedicámo-nos a ela. De início o sonho era fazer uma banda diferente e participar num concurso que se fazia em Alcobaça, no bar Ben. Ficámos em segundo lugar e, hoje, o resto da vida é que se tornou num ‘hobbie’.

O que são os The Gift para si?
Neste momento, é tudo o que eu tenho, por opção. Podia perfeitamente ter acabado o meu curso, ter continuado a trabalhar ou dedicado-me a outra coisa qualquer. Mas não quero, não faz sentido.

A primeira vez que tocaram no Coliseu de Lisboa como foi? O que sentiu?
A primeira vez senti um nervosismo do tamanho de uma ponte! Como em todos os concertos, fico sempre ansiosa. A diferença de ver quatro mil pessoas à frente ou 400 não é muita, a situação é que é especial. O Coliseu é um marco na minha vida, foi lá que vi os primeiros concertos. Foi um inverter de posições, foi muito especial.

Quais são as principais influências musicais dos The Gift?
Como somos quatro, cada um tem as suas referências. No fundo, acho que somos livres de preconceitos e abertos a novas tendências. Sou capaz de ser a mais crítica e o meu filtro é o maior, consigo enumerar melhor aquilo que não gosto e isso, às vezes, torna-se mais complicado. Mas não sei, temos tantas influências: da música portuguesa ao Frank Sinatra.

Com que álbum dos The Gift se identifica mais?
Acho que o último. Foi o que me deu mais gozo fazer. Tenho um mini estúdio – é mesmo tudo mini: a mesa de mistura – e todos os dias, quando me levantava de manhã, a primeira coisa que fazia não era tomar o pequeno-almoço, mas sim sentar-me logo na cadeirinha para começar a experimentar coisas e nunca me tinha acontecido nada assim.

Mas participou mais neste último disco a nível da composição das músicas?
Não, sempre participei, neste até participei menos, porque a maioria das letras foi o Nuno que fez. Mas aquelas que eu fiz deram-me imenso gozo. Há muito que decidiram não ficar apenas pelo território nacional... Fizemos uma digressão por Espanha, outra pelos Estados Unidos, chegámos a ir à Venezuela e a mais alguns sítios da Europa. Participámos em muitos festivais e as coisas correm sempre bem. Contudo, é sempre muito difícil, porque é como se fosse um começar de novo. Tudo o que fizemos em Portugal, temos de fazer noutra parte qualquer do Mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, nós somos só mais uma banda. Às vezes dávamos por nós a subir um elevador de uma editora qualquer em Nova Iorque a pensar assim: “Eu já tenho quase 30 anos e ando aqui com o ‘cdzinho’ na mão e a aprontar-me ao espelho”. Depois, olhávamos uns para os outros e perguntávamos: “Estás bem?”, “Penteia-te”, “Vamos lá outra vez”. E às vezes não dá em nada. É psicologicamente cansativo.

Nessas alturas é complicado estar longe da família e dos amigos?
É inerente àquilo que faço. Por vezes sinto-me um pouco nómada, sempre com a tralha às costas. A minha casa é em Alcobaça e sempre que acaba um concerto volto para lá. Os meus pais e amigos estão sempre presentes na minha vida. Esteja eu na América ou na China. Nunca me deixam ter saudades.

O que não gostaria de ver acontecer aos The Gift?
Não queria chegar aos 40 ou aos 50 anos e ter 300 anos de carreira e não ter saído de Portugal. E andar sempre a fazer a mesma coisa, sempre a mostrar a mesma música, às mesmas pessoas. Não quero chegar a velha e pensar “foi só isto”.

E o fenómeno dos fãs?
Fico contente se me dão os parabéns pelo meu trabalho.

BREVES CONFISSÕES...
Um álbum. ‘Arena’, dos Duran Duran.
Uma música. ‘Rent’, dos Pet Shop Boys.
Um filme. ‘Gilbert Grape’
Uma cor. Preto.
Um sonho. Ir ao Egipto.
Uma qualidade. Boa disposição.
Um defeito. Teimosia.
Um capricho do qual não abdica. “Não tenho caprichos, pelo menos que me lembre.”
Um provérbio. “Sofrer para formosa ser.”
O que adora. Gatos.
O que detesta. “Não existe assim nada que deteste.”
Um concerto. Bjork, em Londres.
E dos The Gift. Aula Magna.
Receio. “Ficar sem voz e não saber o que fazer à vida; e perder os pais.”
O que nunca faria. “Vender a alma ao diabo está fora de questão. Acho que nunca me submeteria as ordens de ninguém em relação aos The Gift.”

PERFIL
Sónia Tavares nasceu a 11 de Março de 1977, em Alcobaça, onde viveu até à altura em que foi para Lisboa tirar Antropologia, que não chegou a terminar. A voz da cantora é o tesouro que receia um dia perder, de resto, confessa-se bem disposta, adora gatos e cozido à portuguesa. Tem como viagem de sonho o Egipto e gostava de ter feito um ‘inter-rail’, mas diz que a idade já passou.

Ana Paula Lopes
Correio da Manhã - 2005-04-16