Saturday, October 14, 2006

The Gift :: AM-FM

The Gift em Lisboa: Entre o muito morto e o muito quente

A segunda noite do regresso dos The Gift à Aula Magna foi feita de altos e baixos. Um alinhamento não muito favorável, alguns problemas de som a prejudicar a voz de Sónia Tavares e certos instrumentos, uma sala a caminho de uma sauna e possivelmente alguma perda de fulgor. Não foi uma má actuação – longe disso. Mas já os vimos fazer muito melhor. Não se mostrou a melhor noite para fazer um disco ao vivo. Há dias assim.

Há exactamente seis anos, naquela mesma sala, os então ainda jovem esperança The Gift deram um concerto memorável, num espectáculo que muitos viram como um teste difícil de ultrapassar, mas que resultou num daqueles momentos de magia pura. A festa em palco, entre músicos e fãs vai para sempre acompanhar a memória de quem em Junho de 99 não arredou pé da Aula Magna.
Desta vez, quase tudo foi diferente. O ambiente era de reencontro entre fãs de sempre e do passado e misturava-se com a presença de muitos novos adeptos das linguagens sonoras do quarteto de Alcobaça - devidamente acompanhados de Diogo, o baterista, para muitos já o quinto elemento do grupo. Tinha tudo para triunfar.

A máquina The Gift cresceu imenso nestes anos. Longe vão os tempos da timidez, com Sónia Tavares a cantar quase de costas em pleno auditório da Fnac. Hoje, os The Gift são arrojados no aspecto visual dos seus concertos, os pormenores estão estudados e as reacções esperadas. Ganhou-se no cenário, perdeu-se na espontaneidade. Mas faltou ali qualquer coisa.

E esse pormenor sentiu-se principalmente no alinhamento. «AM-FM» dominou o set, colocando a nu e de forma clara as diferenças – rítmicas e melódicas - entre as duas metades do disco duplo. Daí ter-se andado aos altos e baixos, numa sala em que quando as pessoas se levantam é para nunca mais se sentarem.

O conceito de «AM» é intimista. «FM» é a explosão e a dança. «Are You Near?», «Wallpaper» ou «1977» (tema que contou com a voz de Nuno Gonçalves, o qual se devia limitar de vez a comandar toda a orquestra) tocam cá dentro. «Music», «11:33», «Driving You Slow» e «You Know» - numa versão muito mais rock, nua e crua, com as teclas trocadas pelas guitarras – explodem por fora.

Mas, tal quando do período de passagem entre «Vinyl» e «Film», há ali qualquer coisa que não resulta na transicção de fases e ritmos, retirando ao espectáculo um fio condutor. Oscila-se entre o muito morno e o muito quente. Não se estranhou por isso que – tirando os dois singles deste novo álbum – os grandes momentos tenham sido protagonizados por canções do passado. «Dream With Somenone Else´s Dream» (desta vez num arranjo mais próximo das primeiras gravações), «Five Minutes Of Everything», «Actress (AM-FM)», «So Free (3 Acts)» (cada vez mais forte) e em especial «Ok Do You Want Something Simple?» e «Question Of Love».

A variedade de propostas e o rico percurso musical desta banda nacional traduziram-se em três grandes discos e em excelentes temas pop – ora mais atmosféricos, ora mais electrónicos, ora mais rock. Essa variedade pode funcionar em dois sentidos. Mostra riqueza, mas juntar uma sequência em crescendo num palco pode revelar-se um desafio. Quando esse patamar for atingido os The Gift conseguirão fazer em duas horas a excelência que nos deram em 30 minutos no SBSR deste ano.

Filipe Rodrigues da Silva
in diariodigital - 10-06-2005