Saturday, October 14, 2006

The Gift :: AM-FM... Entrevista

"Teve lógica ganhar depois de um ano bom"
Depois do prémio MTV, os Gift falam ao JN sobre uma carreira pautada pela independência

São de Alcobaça e andam na estrada há mais de uma década. Com quatro discos e centenas de concertos, os Gift destacam-se pelo facto de sempre se terem recusado a assinar um contrato com uma editora discográfica. Tal postura não os impediu de angariar milhares de fãs e de vencer o prémio MTV para "Best Portuguese Act" (melhor banda portuguesa).

[Jornal de Notícias] Ficaram surpreendidos por receberem o prémio?
[John Gonçalves] Três ou quatro dias antes da cerimónia perguntaram-me isso. Eu respondi que sim. Mas disse que os outros candidatos também eram muito fortes. Nós acreditamos sempre muito no nosso público, nos nossos fãs, nos nossos amigos, nos nossos concertos, nos muitos discos que vendemos e no 'airplay' que tivemos na televisão. Tínhamos feito um ano muito bom e seria lógico que ganhássemos. Mas os outros também seriam justos vencedores.


Sentiram algum nervosismo durante a cerimónia?
[JG]
Houve alguma ansiedade, sem dúvida. Mas a cerimónia foi de tal forma bem organizada e tão profissional que sentíamos que o prémio era uma coisa secundária. Estávamos ali a desfrutar daquele momento único. E estávamos ao lado daquelas estrelas todas e a ver o espectáculo numa posiçao privilegiada. Só quando chegou o momento do anúncio da nossa categoria é que ficámos nervosos. Mas foi um belo momento. Valeu a pena.


Sabem quantos votos receberam?
[JG]
Ouvi falar em largos milhares. Não sei quantos foram, mas sei que houve uma participação massiva para todos os nomeados nesta categoria.


Cruzaram-se ou conviveram com as grandes estrelas nos bastidores?
[JG]
Cruzar sim, conviver nem por isso. Estivemos com os Bloc Party no início e com o Bob Geldof no fim. Infelizmente, a Madonna e o Robbie Williams estavam noutro piso. Estivemos, também, com os nosso queridos Luís Figo e Nuno Gomes. E ainda outros. Basicamente, estávamos todos lá atrás menos a Madonna e o Robbie Wil-liams. Conversámos com outros, ouvimos alguns parabéns, mas não partilhámos grandes intimidades.


Afinal, o que se passou depois da cerimónia à porta do bar de uma das festas oficiais?
[JG]
Não se passou nada. Fomos ao Budha Bar para dar um abraço às pessoas da nossa distribuidora - a Universal. Quando lá chegámos havia uma confusão à porta para organizar a lista de convidados. Disseram-nos para esperarmos, mas, como a nossa ideia era ir para o Lux, telefonámos lá para dentro e dissemos que íamos embora.
[Nuno Gonçalves] E qual não foi o nosso espanto, quando, no dia seguinte, vimos as manchetes e as televisões a falarem só disso. De alguma forma, minimizaram o nosso prémio. Decidiram dizer que os Gift estavam furiosos por não entrarem no Budha Bar. Eu nunca na vida vou ficar furioso por não entrar em algum lado. Aliás, nada naquela noite nos ia tornar furiosos ou tristes.
[JG] Tínhamos combinado ir para o Lux desde o primeiro momento. Divertimo-nos, estivemos com amigos, portanto, nem sei qual foi o problema...
[NG] Há pessoas que gostam sempre de fazer telenovelas à volta de tudo. Foi absurdo. Não há mal a dizer do Budha, nem há mal a dizer da Universal. Às tantas, estava a ver televisão e, no 'zapping', apanhei a astróloga Maya (proprietária do bar) a dizer: "Eu própria vou escrever uma carta a pedir desculpa aos Gift". (risos) Não tem nada que pedir desculpa, é uma coisa que acontece em todo o lado: a discoteca está cheia e tem que se esperar um bocado. Mas naquele dia não queríamos esperar muito tempo: queriamos animação, é normal, tínhamos acabado de ganhar um prémio MTV e não estávamos para ficar na rua ao frio. Foi absurdo. Entretanto, já há várias teorias: uns dizem que foram os Gift que fizeram birra, outros dizem que foi a Maya que não conheceu os Gift (risos).


O facto de terem conquistado este prémio vem mudar algo na banda?
[JG]
Nada. Felizmente, já temos 11 anos disto e percebemos muito bem como as coisas funcionam para não nos deixarmos envolver por este tipo de coisas. O que pode mudar é a exposição mediática. A partir de agora, essa exposição pode ser maior. Já trabalhámos lá fora há algum tempo e obviamente que isto é mais um trunfo que temos, porque durante 12 meses, como nos concursos da Eurovisão ou da Miss Universo, este prémio é nosso. Até haver um novo "Best Portuguese Act", a melhor banda portuguesa de 2005 são os Gift.


Mas já sentem maiores atenções vindas do estrangeiro?
[JG]
Em Espanha, por exemplo, a imprensa tem falado muito neste prémio durante esta última semana. No final do mês, vamos tocar a Inglaterra e, se calhar, será mais fácil as pessoas aparecerem no concerto.
[JG] Basicamente, poderá funcionar como um reavivar de memória a todas as pessoas no estrangeiro que já receberam o nosso CD anteriormente. Nos últimos anos distribuímos milhares de discos por editoras e agentes e pela indústria pelo mundo fora.
Têm recebido propostas tentadoras por parte de editoras?
[NG] Não. As editoras já sabem que nós temos uma forma de trabalhar - e que sempre foi respeitada. É um território onde ninguém tenta entrar, porque sabe que, à partida, não vamos por aí. Não há nenhuma editora mundial que nos trate tão bem como a La Folie - que somos nós. Nós é que escolhemos os 'videoclips' que fazemos, nós é que escolhemos as pessoas com quem vamos trabalhar, nós é que escolhemos os singles ou os timings de lançamento. Dificilmente encontraremos uma editora que tenha esta liberdade criativa e de movimentos porque estão habituadas a uma certa rigidez.


Se pudessem mudar algo na indústria musical, o que mudariam?
[JG] - A primeira coisa que eu mudaria, e já, seria ter uma banda portuguesa a tocar nos prémios MTV. Nós estamos presentes em todas as feiras internacionais: no Midem, no Texas, em Nova Iorque, na Holanda ou em Berlim. E estamos sempre sozinhos! Portanto, se a indústria portuguesa quer realmente merecer ter um lugar de destaque na Europa ou no Mundo, tem de começar a apresentar os seus projectos no estrangeiro. Temos que perceber que se não conseguirmos exportar o nosso produto lá para fora se calhar isto vai ser pequeno demais para novos projectos nos próximos anos. E depois acontece que a maior parte das pessoas têm que arranjar um segundo trabalho para conseguirem viver. Cá dentro, as grandes editoras têm muito catálogo: deviam ter menos e trabalhar melhor o que têm - apesar de isto parecer complicado para as bandas novas que querem assinar com uma editora.


Algo que os Gift não fizeram...
[JG] -
Nós não assinamos por ninguém e fomos à nossa vida: fizemos o nosso trabalho de forma alternativa e independente. É assim que as bandas têm que fazer e vão ter que fazer nos próximos anos. Depois, há o problema do circuito de concertos. Nós fomos à procura dele. Quando não existia, criavamo-lo: em teatros, clubes, queimas das fitas, etc.. Em vez de dizer mal dos problemas tentamos encontrar as soluções. E há, também, a questão das rádios. É óbvio que se a rádio apoiasse mais as novas bandas, tudo seria melhor...
[NG] - Mas em relação às rádios, os Gift não se podem queixar: as nossas músicas passam, felizmente, em quase todas. Quem se poderá queixar são as bandas novas, que podem não ter disco, mas já têm maquetes com bastante qualidade. Lá fora há um mercado independente que cá não há. As coisas, aqui, morrem um pouco na distribuição. Na maior parte dos países vemos as grandes editoras que lançam discos que vendam mais. E depois têm o top independente. Cá não existe esse mercado. Mas existe uma editora como a Borland, que está a fazer um trabalho que é quase serviço público.


Como é que os Gift lidam com esta nova realidade das cópias de cds e troca gratuita de música na internet?
[JG] - Faz parte do processo. Onde isso realmente nos afectou bastante foi na altura em que lançámos o "Film". Antes disso, essa troca de ficheiros ou cdrs ainda quase não existia. Foi o nosso primeiro grande choque. Começámos a sentir, nos concertos, os tais cdrs a aparecerem para nós autografarmos. As pessoas achavam isso normal. Começámos a perceber que os miúdos mais novos já não têm noção do que é piratear: "Eu gosto dos Gift, tirei o disco da net e agora vou pedir um autógrafo" (risos). Nós temos que viver isso. Ponto final. Temos que encontrar maneiras de tratar sempre bem os fãs. Se os fãs dos Gift gostam da nossa música e pagam para ir aos concertos mas tiram o nosso disco da internet, estão, no fundo, a prejudicar-nos. Porque com as receitas deste disco fazemos o próximo. Isto é complicado. Mas sabemos que há outras maneiras: gravamos os nossos concertos e vendemos as gravaçoes à porta dos concertos, por exemplo. Ou tal como o merchandising. Portanto, há outras maneira de dar a volta a esse problema da pirataria.

[NG] - Muitas das vezes o público que pirateia é melómano: são miúdos que sacam na Internet quatro ou cinco discos por dia, uma quantidade que não consegues comprar nas lojas a não ser que sejas milionário. Não podemos censurar quem gosta muito de música. E muitas vezes esses fãs são mais fortes e estimulantes do que muitas pessoas que até compram o disco.

Os Gift vivem desafogados com o dinheiro que ganham na banda?
[JG] - Às vezes, as pessoas percebem mal a forma como as cosias funcionam. Isto é um pouco como a formiga e a cigarra. Imaginemos que este ano nos corre bem. Mas depois ficamos três anos até sair o próximo disco. E sem nenhum tipo de receita. Nós gostavamos muito de ter o nosso trabalho e receber todos os meses o nosso rendimento - mas isso não é possível. Qualquer músico sabe que as carreiras têm picos. Nós lançamos um disco e trabalhamos nele durante um ano com os concertos. Depois, passa esse ano, os concertos acabam e os discos deixam de vender - e tu tens que viver e comer. Eu pessoalmente não acredito em riquezas com a música em Portugal. Qualquer um dos meus amigos da escola deve estar melhor do que eu. Mas, se calhar, eu estou muito mais feliz naquilo que faço.


Já deram dezenas de conceros no estrangeiro...
[JG] - Já foram mais de cem....


E onde sentiram as melhores reacções por parte do público?
[JG] - Em Espanha.
[NG] - Eu ia dizer nos Estados Unidos...
[JG] - Também.
[NG] - Nos Estados Unidos há um público muito caloroso. Lembro-me que quando fizemos as primeiras partes dos Flaming Lips, as coisas correram muito bem - as pessoas vibravam e não tinham vergonha de o demonstrar. Em Espanha, o público também reage bem.
[JG] - Em Espanha tocámos 45 vezes e nos Estados Unidos quase 40. O resto são datas na europa e na Venezuela.


Na Venezuela?
[NG] -
Sim, com segurança pessoal, e quatro televisões nas conferências de imprensa. Mas não havia portugueses.


Cristiano Pereira
in Jornal de Notícias - 2005-11-11