Tuesday, March 20, 2007

The Gift :: Facil de Entender

Entrevista com The Gift: Pronúncia do oeste

Depois de um EP de estreia e três longa duração de originais, os The Gift surpreendem com um projecto especial. «Fácil de Entender» passou de canção escondida a porta-estandarte de um novo conceito que engloba CD e DVD ao vivo e respectiva digressão de promoção. Antes de dupla data no Centro Cultural de Belém, a vocalista Sónia Tavares analisou o momento actual dos The Gift em discurso directo.

Uma nova etapa sem implicar um corte radical com o passado. «Fácil de Entender» recupera as canções dos The Gift com roupagens actualizadas ao momento presente dos quatro de Alcobaça. Não é um best of, não é exactamente um disco ao vivo, longe está de ser um registo de originais. Em que ficamos?
«Todo o projecto «Fácil de Entender» é um bocado ambíguo na medida em que pode ser várias coisas. Não é um concerto ao vivo, se esse fosse o intuito maior teríamos antes filmado um concerto da AM/FM Tour, a data no Coliseu dos Recreios, por exemplo. Decidimos montar uma casa e levar as pessoas ao nosso jardim para ouvir a nossa música. Por um lado não é um disco novo porque são as músicas de sempre dos The Gift. Por outro lado, não é um disco antigo nem um simples best of. Não é o terminar de uma situação nem o começo de uma outra. Isto é o presente dos Gift, pura e simplesmente. Mesmo as canções novas que aqui apresentamos [«Nice and Sweet» e «645»] se calhar daqui a um ano não fazem sentido, por isso esta edição é aquilo que os Gift são no presente. Ponto final».

«Fácil de Entender» começou como faixa escondida no último «AM/FM» para se tornar, actualmente, uma das canções mais rodadas no éter nacional. E acabou por ser, no final de contas, o ponto comum de todo este projecto.
«Escondemos a canção no «AM/FM», num registo muito simples de piano e voz. Contudo, achámos que era uma música boa demais para estar escondida e se calhar valia a pena dar-lhe uma nova roupagem aqui (ao jeito do que fizemos com as outras canções) e transformá-la naquilo que sabemos fazer, que são canções pop. A música tomou um caminho realmente diferente e achámos que ficou perfeita para ser o cartão de visita deste projecto. Assim foi e o «Fácil de Entender» é, no fundo, o elo de ligação de todo este conceito».

Às canções de sempre dos The Gift revistas e renovadas, «Fácil de Entender» agrupa ainda dois novos temas. Se num, «Nice and Sweet», sente-se ainda a atmosfera de «AM/FM» muito presente, já em «645» fica no ar a ideia de novos horizontes para eventuais caminhos futuros da banda. Não?
«Curiosamente, o «Nice and Sweet» é a música mais recente que nós temos, foi composta depois do «645». Não costumamos escrever em digressão, mas estas canções foram sendo encaminhadas pelo Nuno [Gonçalves, compositor maior dos The Gift] nos ensaios de som. Não foram compostas no quarto de hotel mas sim nos ensaios. O «645» é uma música mais explosiva e tem o cunho pessoal do Mário Barreiros, que tem estado a tocar connosco».

Entre o começo de tudo isto e o momento actual distam já doze anos. Número considerável e período no qual os The Gift cresceram, alargaram horizontes, objectivos e foram solidificando uma maneira muito própria de trabalho e organização.
«Olho para trás com a distância natural na medida em que se passaram doze anos. É normal que as coisas evoluam. Não mudámos, crescemos. Enquanto Gift mas obviamente também enquanto pessoas. Ainda hoje oiço as nossas coisas mais antigas, o «Film» em concreto. Esse disco foi gravado ali numa altura decisiva, onde já não éramos anónimos mas ainda não tínhamos a exposição que temos agora, por exemplo. Hoje oiço o disco e sinto que podia perfeitamente sair agora e seria perfeitamente fresco e actual».

Os The Gift aderiram recentemente às licenças Creative Commons, sistema que permite a qualquer pessoa descarregar material da banda de forma plenamente legal e com a devida permissão dos seus autores.
«De uma forma muito geral, a Creative Commons permite dizermos às pessoas que, ao cedermos algumas músicas, elas podem descarregar o material dos The Gift e partilhá-lo com quem quiserem, desde que feito sem fins lucrativos. Podem passar para o computador do amigo, gravar para o primo, etc., porque nós permitimos que tal suceda. Tudo feito de forma legal e sem riscos que venha um fiscal a casa confiscar o que quer que seja. Obviamente que isto somente com as faixas que disponibilizamos, as restantes são completamente proibidas. Para além de canções, cedemos também às pessoas telediscos e fotografias promocionais».

Por ora aproxima-se dupla data no marcante Centro Cultural de Belém, em Lisboa (a 9 e 10 deste mês). O futuro, esse, passa por espremer a nova edição por entre novas datas e respectiva promoção nacional e também internacional. Sem grandes planos a longo prazo.
«Estreámos o «Digital Atmosphere» [EP que apresentou os The Gift] no Pequeno Auditório do CCB e alguns anos mais tarde tocámos na primeira parte dos The Divine Comedy, isto já no Grande Auditório. Desse concerto recordo-me que tinha uma camisola preta com uns brilhantes vermelhos (risos). Mais a sério: tínhamos pouco tempo para tocar e nesse tempo tentámos mostrar o melhor de nós e tentar seduzir as pessoas que tomavam contacto connosco pela primeira vez. Acho que funcionou. Ainda hoje muitas pessoas me dizem que a primeira vez que nos viram foi nesse concerto e que foi um espectáculo que marcou. Agora vamos tocar pela primeira vez em nome próprio no Grande Auditório e obviamente que o concerto está a ser preparado de uma maneira especial. Depois disso, seguimos com o «Fácil de Entender». Ainda há muito trabalho para fazer. Há muitos concertos ainda para dar, há promoção a fazer e tudo o mais. O DVD vai sair em Espanha e isto ainda vai durar alguns meses. A internacionalização, pelas experiências que tivemos, é por nós vista agora com os pés muito assentes na terra. É fácil marcar dez concertos nos Estados Unidos. O difícil é levar as pessoas certas a esses concertos. Tocar pelo simples prazer de o fazer fazemo-lo em Portugal, logística e economicamente as coisas acabam por compensar. Continuar a dar tiros no pé e gastar este mundo e o outro em concertos onde o máximo que daí podemos retirar é o prazer de tocar e, no fim, ficarmos na bancarrota, é algo que não vale a pena. Mais vale fazer as coisas estruturadamente: se demorou dez anos em Portugal a atingirmos o patamar actual onde nos encontramos, outros dez demorarão, por exemplo, em Espanha. Há que fazer os concertos devidos e, devagar, conquistar o mercado mais alternativo espanhol e depois, quiçá, tentar a ponte para o mercado da América Latina. Se nada acontecer nos próximos anos, pelo menos não morremos sem tentar».

Pedro Figueiredo
in www.diariodigital.com - 04-12-2006